Pesquisadores desenvolveram linhagens de leveduras que servem como ferramenta para encontrar moléculas capazes de tratar a doença

Desenvolver medicamentos que combatam parasitas sem prejudicar a saúde do paciente é um dos grandes desafios da química medicinal. Esse obstáculo é evidente no tratamento da malária, em que muitos medicamentos apresentam baixa eficácia e efeitos colaterais significativos.

Em um avanço promissor, pesquisadores criaram duas linhagens de leveduras geneticamente modificadas: uma com o gene que codifica a enzima DHS (Desoxihipusina Sintase) do Plasmodium vivax, parasita causador da malária, e outra com o gene humano correspondente. Essa abordagem inovadora permite testar moléculas diretamente em leveduras que expressam ou a enzima humana ou a do parasita. Assim, é possível identificar substâncias que inibam apenas a proteína do parasita, preservando a proteína humana — um passo essencial no desenvolvimento de novos tratamentos para a malária.

O estudo foi publicado na revista PLOS Neglected Tropical Diseases e resultou de uma colaboração entre o Centro de Química Medicinal (CQMED), um laboratório do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética e do Instituto de Biologia da Unicamp, o Instituto de Química da UNESP e a Universidade Chalmers, na Suécia.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, a malária afeta cerca de 250 milhões de pessoas por ano, causando mais de 600 mil mortes. A busca por medicamentos mais eficazes e seguros é crucial para enfrentar esse desafio de saúde global.

Moléculas inibidoras de crescimento

A enzima DHS é responsável por alterações em outra proteína, a eIF5A, ambas essenciais para manter o bom funcionamento do organismo. Problemas nessas proteínas resultam na morte celular. “A abordagem envolveu a comparação do crescimento das linhagens na presença de potenciais inibidores, o que resultou na identificação de compostos promissores com ação seletiva contra a enzima do parasita.”, explica Suélen Silva, da Universidade Chalmers na Suécia, que realizou parte da sua pesquisa no Centro de Química Medicinal (CQMED) da Unicamp.

Para estabelecer essas linhagens de leveduras, capazes de testar moléculas com potencial terapêutico contra a malária, os pesquisadores realizaram 3 modificações principais nas leveduras: Os autores do trabalho tiraram genes que protegem a levedura, facilitando a entrada da molécula que está sendo testada e ajudando a identificar quais delas funcionam melhor no ambiente celular. Outra modificação foi colocar um marcador luminoso que serve para encontrar facilmente as leveduras que foram modificadas e diferenciar aquelas que possuem o gene do parasita e aquelas com o gene humano, também substituíram o gene alvo que codifica a proteína desoxihipusina sintase, essencial para o funcionamento da célula. Os cientistas trocaram em uma linhagem de levedura seu gene original pelo gene humano e, em outra,  pelo gene do parasita da malária, gerando duas linhagens de leveduras geneticamente modificadas. Isso permite comparar como esses diferentes genes funcionam e como eles podem ser afetados pelas moléculas testadas.

Mário Bengtson, pesquisador do CQMED e do Instituto de Biologia da Unicamp, autor do estudo, explica que com as leveduras foi possível encontrar moléculas capazes de inibir o crescimento da linhagem com a proteína do parasita. Nos testes realizados com as leveduras geneticamente modificadas, centenas de compostos foram avaliados, 2 deles demonstraram resultados promissores indicando potencial para se tornar um fármaco futuramente, uma vez que nos testes complementares em células humanas esses compostos não apresentaram efeitos tóxicos.

Os autores do trabalho consideram que essa abordagem pode ser aplicada em outros estudos, com diferentes proteínas alvos de parasitas ou relacionadas a outras doenças humanas. “Além de impulsionar o desenvolvimento de novas terapias contra a malária, esta plataforma poderá ser amplamente utilizada para explorar alvos terapêuticos em outros patógenos, incluindo aqueles associados à resistência aos tratamentos disponíveis.”, afirma Suélen.

Suélen Fernandes Silva, principal autora do trabalho, no laboratório CQMED da Unicamp.