
Cientistas sintetizaram molécula que interrompe o crescimento de micobactérias sem afetar proteínas humanas semelhantes
Pesquisadores da Unicamp e parceiros internacionais desenvolveram uma molécula capaz de inibir uma enzima chave no metabolismo de micobactérias causadoras de doenças pulmonares. Mycobacterium avium e Mycobacterium abscessus são espécies de micobactérias que exigem tratamentos longos, demorados e que nem sempre funcionam. Para contornar esse problema, pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento se uniram para desenvolver uma molécula capaz de inibir a atividade de uma enzima essencial para a micobactéria, futuramente essa molécula poderá ser utilizada em testes para avaliar seu potencial terapêutico contra doenças causadas por micobactérias. O estudo foi publicado na revista científica Journal of Medicinal Chemistry.
As micobactérias não tuberculosas (MNT) são um grupo diverso de bactérias que podem infectar o pulmão, o sistema linfático, a pele e os ossos. Elas pertencem ao mesmo gênero da micobactéria causadora da tuberculose, o Mycobacterium tuberculosis, mas apresentam características e comportamentos distintos. Em muitos países desenvolvidos, essas micobactérias são vistas como causadoras de doenças emergentes, devido ao aumento da incidência de casos nos últimos anos, e são mais predominantes do que as causadoras da tuberculose.
Desafios e estratégias
O desenvolvimento de medicamentos direcionados a alvos específicos — isto é, que visam uma proteína com papel-chave em determinada doença — enfrenta um desafio crítico: a ação da molécula não se restringe, muitas vezes, à proteína de interesse. Ela pode interagir também com outras proteínas do organismo ou do próprio paciente, resultando em efeitos indesejados e complicando o tratamento. A enzima DHFR (dihidrofolato redutase) é um destes casos. Micobactérias e seres humanos produzem a DHFR que está associada à produção de precursores do DNA e RNA, por isso é um alvo interessante para interromper o processo de infecção da micobactéria. Entretanto, não é desejável que a molécula interaja com a proteína humana afetando a saúde do paciente.
Para superar esse desafio, os pesquisadores identificaram regiões da proteína que só as micobactérias possuem e desenvolveram moléculas capazes de se encaixar nessa porção específica da proteína.
O desenvolvimento da nova molécula teve como ponto de partida uma outra, usada no tratamento contra a malária, a p218, cuja estrutura química foi alterada para realização dos testes. Entre os novos compostos sintetizados e testados, um deles mereceu destaque por sua eficiência contra o crescimento das micobactérias e baixa afinidade com proteínas humanas. Com a mudança na estrutura química da molécula, os pesquisadores aumentaram a capacidade de inibir a enzima de micobactéria ao mesmo tempo que diminuem sua ação em proteínas semelhantes às de humanos. “Essa nova molécula tem menor atividade inibitória nas enzimas humanas e maior inibição da enzima presente nas micobactérias, um efeito de extrema relevância para o desenvolvimento de um fármaco que seja capaz de matar as micobactérias patogênicas sem causar danos ao paciente infectado.”, afirma Rafael Couñago, pesquisador do INCT Centro de Química Medicinal de Acesso Aberto e do SGC (Structural Genomics Consortium) que atuou na pesquisa.
Sintetizando novas moléculas
Ao todo foram sintetizados e avaliados 18 análogos da molécula p218. Para sintetizar moléculas capazes de interagir de modo específico com a região da proteína bacteriana os autores Ronaldo Pilli, do Instituto de Química da Unicamp, e Matheus Meirelles, que desenvolveu o estudo com bolsa de doutorado da Fapesp, precisaram desenvolver uma nova forma de síntese, diferente do que já estava descrito na literatura científica. “Foi preciso planejar e executar uma sequência de reações químicas para conseguirmos as mudanças estruturais necessárias para aumentar a interação da molécula com a enzima DHFR das micobactérias de modo a diminuir sua interação com a DHFR humana. Essas modificações foram guiadas pelos estudos cristalográficos realizados com vários dos compostos sintetizados”, explica Ronaldo Pilli, professor do Instituto de Química e um dos orientadores do trabalho. As moléculas foram sintetizadas no laboratório do professor Pilli e testadas em proteínas produzidas no CQMED e em culturas de micobactérias por pesquisadores do Canadá.
Colaboração internacional
As diferentes habilidades dos autores é um exemplo da importância da colaboração internacional entre diferentes grupos de pesquisa. Cientistas da Universidade de Dundee contribuíram com os testes em camundongos, pesquisadores da Universidade do Kansas, juntamente com o pessoal de Seattle, trabalharam na parte de biologia estrutural. A equipe de Montreal, no Canadá, realizou os testes nas micobactérias, avaliando a capacidade da molécula de inibir o crescimento de culturas. “Cada grupo fez uma parte essencial do trabalho e juntos foi possível apresentar os resultados no artigo científico”, comenta Couñago.
Em testes iniciais da molécula em camundongos, os autores do trabalho notaram que foi preciso uma grande quantidade para se alcançar os efeitos desejados, e isso pelo fato da molécula se ligar em proteínas do plasma sanguíneo do animal, fazendo com que boa parte das moléculas estejam indisponíveis para atuar em seu alvo. Os pesquisadores sugerem que novas alterações na estrutura química do composto podem reverter esse problema.
O estudo “Rational Exploration of 2,4-Diaminopyrimidines as DHFR Inhibitors Active against Mycobacterium abscessus and Mycobacterium avium, Two Emerging Human Pathogens” pode ser acessado neste link: https://doi.org/10.1021/acs.jmedchem.4c01594