A inibição da proteína VRK1, que protege a integridade do DNA e participa da proliferação celular, pode representar uma nova terapia contra diversos tipos de câncer.

Estudo publicado dia 23 de maio de 2024 revela o desenvolvimento de uma molécula inédita capaz de inibir a proteína VRK1, envolvida na manutenção da integridade do DNA e na proliferação celular de certos cânceres como de mama, próstata, ovário e intestinos e gliomas. Esta nova molécula serve como uma ferramenta para investigar efeitos celulares e sistêmicos da inibição da VRK1 tanto em células saudáveis quanto tumorais. Além disso, o estudo consolida a VRK1 como um potencial alvo terapêutico para diversos tipos de câncer e abre o horizonte para o desenvolvimento de novos tratamentos. 

O estudo, publicado no Journal of Medicinal Chemistry, foi liderado por pesquisadores do Centro de Química Medicinal (CQMED) da UNICAMP e do Aché Laboratórios Farmacêuticos e envolveu cientistas do Brasil, Suécia, Reino Unido, Alemanha e EUA. Trata-se do resultado de cinco anos de pesquisas focadas nessa proteína-alvo, que tem um protagonismo na proliferação de certos tipos de câncer. 

Células tumorais têm mutações que fazem com que elas se multipliquem rapidamente e acabem acumulando erros no genoma. A VRK1 é uma proteína quinase que participa da resposta celular que detecta e  repara estes danos, viabilizando, portanto, a proliferação das células mutadas. A ausência da VRK1 faz com que células acumulem erros em seus genomas, levando à morte celular. Em células tumorais esta quinase é produzida em quantidades maiores. “Neste trabalho, mostramos que a inibição da VRK1 em células não ocorre a reparação dos erros e elas acabam morrendo, pois o acúmulo de danos é muito grande”, explica Rafael Couñago, pesquisador do Centro de Química Medicinal da Unicamp e autor do artigo. 

A molécula inibidora é derivada de diidropteridinona e foi inicialmente identificada pelo CQMED e posteriormente desenvolvida pelos cientistas do Aché. Os pesquisadores realizaram ensaios desenvolvidos especificamente para demonstrar a ação da molécula na proteína dentro do ambiente celular. “É a primeira vez que descrevemos uma molécula que inibe VRK1 de maneira potente, seletiva e altamente caracterizada no contexto celular”, complementa Hatylas Azevedo, diretor de P&D do Aché Laboratórios Farmacêuticos e autor do estudo. 

Ciência Aberta

O projeto é uma iniciativa entre CQMED Unicamp e Aché e seguiu, ao longo dos cinco anos, as premissas da ciência aberta preconizadas pelo Structural Genomics Consortium (SGC), que também participou da descoberta. A pesquisa teve apoio da Fapesp por meio de projetos PITE e do INCT Centro de Química Medicinal de Acesso Aberto. Atualmente a parceria integra o portfólio de projetos da Unidade CQMED Embrapii, sob coordenação da Dra Katlin Massirer.

“O trabalho foi altamente colaborativo, com parcerias internacionais, universidades e a indústria farmacêutica brasileira”, pontua Couñago. Até agora o projeto teve um caráter de pesquisa básica, mas os resultados podem ser utilizados na ciência aplicada. “Esse trabalho pode servir como base para que empresas, universidades e cientistas do mundo inteiro investiguem o papel da VRK1 no contexto tumoral, bem como utilizem essa molécula como ponto de partida para modificações que a tornem um fármaco”, comenta Azevedo. 

Embora os resultados sejam promissores, ainda são necessários vários testes antes de afirmar que se trata de um novo fármaco para o tratamento de câncer. “Para afirmar que essa molécula pode ser usada como um medicamento ainda são necessários testes pré-clínicos e clínicos”, alerta Couñago.

No genoma humano existem cerca de 530 quinases descritas, das quais a ciência conhece bem apenas 80. Para o conhecimento funcional dessas enzimas é importante o desenvolvimento de inibidores que atuem seletivamente para cada uma delas. Esses inibidores podem servir como sondas para avançar no entendimento dessas enzimas, permitindo caracterizá-las funcionalmente. 

O artigo “Novel dihydropteridinone derivatives as potent inhibitors of the understudied human kinases Vaccinia-Related Kinase 1 and Casein Kinase 1δ/ε” pode ser acessado abertamente aqui.

Estrutura tridimensional da proteína VRK1 e, no detalhe, o local em que se liga a nova molécula (imagem: André Santiago/CQMED)