Roberta Ruela e Paula Drummond de Castro | Especial para o JU.
Ao aprimorar a busca de moléculas-alvo, o Centro de Química Medicinal da Unicamp (CQMED) desenvolveu estratégias para acelerar a descoberta de sondas químicas e tornar possível a exploração de potenciais alvos terapêuticos, por meio de um programa de parcerias, chamado Target Enabling Packages (TEP).
O resultado desses estudos pode ser a obtenção da estrutura 3D da molécula-alvo, a identificação de sondas-químicas e a caracterização da atividade bioquímica. Com todas essas informações, pode-se tomar uma decisão informada sobre a viabilidade de se avançar com o desenvolvimento das sondas químicas.
O programa TEP do CQMED abrange um conjunto de reagentes, metodologias e ferramentas moleculares para estudar e validar novos alvos terapêuticos. O programa opera no sistema de ciência aberta, no qual todas as informações estão disponíveis para qualquer grupo de pesquisa ou empresas.
O programa TEP é pioneiro no Brasil e é resultante da participação do CQMED no consórcio internacional Structural Genomics Consortium (SGC), que desenvolve TEPs para proteínas pouco conhecidas e que tenham correlação genética com doenças humanas. Desde o início do programa em 2015, o SGC desenvolveu TEPs para 29 proteínas, entre elas aquelas relacionadas ao câncer, inflamação, doenças metabólicas, desordem neurológicas e malária. O CQMED, implantou no Brasil o programa de TEPs em 2017, porém, além das proteínas ligadas a doenças humanas, a iniciativa brasileira também abrange proteínas de importância agrícola.
Para desenvolver as TEPs, os pesquisadores têm acesso à infraestrutura, reagentes e expertise dos pesquisadores do Centro de Química Medicinal. “Os pesquisadores colaboradores podem produzir a proteína de interesse em bactérias, ou células de insetos para que sejam purificadas, posteriormente, cristalizada e assim, ter sua estrutura tridimensional revelada”, explica Katlin Massirer, pesquisadora do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) e coordenadora do CQMED. Além disso, o Centro desenvolve ensaios bioquímicos e biofísicos para caracterizar a proteína e encontrar moléculas químicas em sua vasta biblioteca de compostos, que sejam capazes de bloquear a atividade das proteínas-alvo. Com isso, os pesquisadores conseguem entender, por exemplo, como o organismo se comporta na ausência desta substância, contribuindo, portanto, para compreender sua função biológica.
O processo envolvido
A elaboração de um medicamento desde a ideia original até a prateleira das farmácias leva, em média, 15 anos e custa cerca de US$2,5 bilhões. Este processo decorre de longas etapas de pesquisa e de desenvolvimento iniciando pela identificação de um possível alvo terapêutico – ou seja, encontrar a molécula-chave que quando “desligada” interrompe o desenvolvimento de uma enfermidade – e passando pela descoberta, otimização e caracterização de compostos que atuem sobre o alvo e, que simultaneamente, não sejam tóxicas para o organismo humano. Esses estudos são fundamentais para avaliar a segurança inicial da molécula e constituem a chamada fase de descoberta.
Encontrar a “molécula perfeita” para ser a base de uma estratégia terapêutica envolve grandes volumes de testes, seguidos por ajustes, e novos testes e repetições, e mais ajustes e mais testes e o quanto for necessário, até que se atinja um resultado consistente para seguir para a próxima fase. Em seguida, a molécula terá sua eficácia avaliada no tratamento da enfermidade por meio de estudos pré-clínicos (testes com animais) e clínicos (testes com humanos sadios e doentes).
Trata-se de uma estratégia de desenvolvimento de fármacos extremamente refinada e que, além focar em uma alta eficiência no combate à enfermidade, também se preocupa em evitar efeitos colaterais inconvenientes que geralmente os medicamentos apresentam. Isto acontece, por exemplo, ao tomar certos remédios para enjoo e ter sono como efeito colateral, ou em situações mais delicadas, os efeitos adversos da quimioterapia tais como fadiga, perda de cabelo, hematomas e hemorragias. Isto ocorre muitas vezes porque o medicamento, embora atue no combate à doença, acaba interagindo também em outras proteínas do corpo, gerando os efeitos colaterais. Por isso, um bom princípio ativo deve ser específico e potente o suficiente para interromper apenas as cadeias de reações ligadas exclusivamente ao funcionamento de enfermidade. E este processo não é simples.
Uma das estratégias é encontrar as chamadas sondas químicas, pequenas moléculas sintéticas que interagem com a molécula-alvo. É um demorado e dispendioso caminho.
É na busca de encontrar estas proteínas-alvos e de desenhar as sondas químicas que o Centro de Química Medicinal (CQMED) atua, seja para o câncer, leishmaniose, infecções entre outros.
De doenças negligenciadas à vassoura de bruxa
As doutorandas da Universidade Federal de São Carlos, Suelen Fernandes Silva e Angélica H Klippel, estão no CQMED para desvendar a estrutura de uma enzima (proteína) essencial para a maioria dos seres vivos, inclusive parasitas como agentes causadores da malária, doença de chagas e leishmaniose. “Há vários estudos mostrando que essa enzima pode ser alvo terapêutico para câncer, doenças inflamatórias, pois atua na proliferação celular”, afirma Klippel. “Entretanto para doenças negligenciadas como malária e chagas ainda tem poucos estudos” completa Silva. O desafio da pesquisa da dupla de São Carlos é desenvolver um inibidor específico que atue apenas no parasita e que não afete as proteínas humanas. Para isso elas contam com a infraestrutura e toda a equipe de cristalógrafos e químicos medicinais para encontrar diferenças entre as proteínas de parasitas e humanas e conseguir desenhar um inibidor específico que não afete a proteína humana. “Nosso objetivo é desenvolver fármacos para doenças negligenciadas” explica Klippel.
Embora a abordagem das TEPs priorize estudar moléculas associadas a doenças humanas, ela também pode ser aplicada para a investigação de outros organismos. O pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas, IAC, Jorge Maurício Costa Mondego, é um colaborador que participar do programa TEP para estudar uma proteína de cacaueiro. A abundância desta proteína aumenta expressivamente quando infectada pelo fungo causador da doença conhecida como vassoura de bruxa. “Queremos entender de que maneira as plantas utilizam esses receptores para combater a infecção de patógenos”, explica Mondego. No CQMED Mondego produziu e purificou uma parte da proteína que estuda e confirmou que ela tem uma ação fosforilativa, ou seja, de quinase. O pesquisador acredita que ela seja capaz de provocar uma cascata de sinais que culmina numa resposta da planta à infecção pelo parasita. Agora o pesquisador do IAC está em busca de moléculas capazes de inibir a ação da proteína e, então, entender o que acontece com o cacaueiro exposto à vassoura de bruxa na ausência desta proteína. “Estes estudos nos ajudarão a compreender como o aumento da expressão dessa proteína pode se relacionar ao ataque do patógeno e, talvez, produzir um cacaueiro resistente à vassoura de bruxa”, completa Mondego.
Ao seguir as diretrizes do consórcio internacional SGC, todas as TEPs são necessariamente de acesso aberto, ou seja, todas as informações estão disponíveis nos sites do SGC e CQMED, qualquer grupo de pesquisa e/ou empresa podem acessar os resultados em desdobrá-los em novas pesquisas, novos artigos ou novos medicamentos. “Adotamos um modelo para desenvolver moléculas químicas que é aberto, isto é, sem patentes. O conhecimento produzido está disponível para universidades e para a indústria farmacêutica de modo a acelerar o desenvolvimento de novos medicamentos”, explica o diretor científico do CQMED Rafael Couñago.
O programa de TEPs é financiando pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pelo Ministério da Ciência e Tecnologia Comunicação e Informação (MCTIC), que promoveu o CQMED como um dos Institutos de Ciência e Tecnologia (INCT).
Foto: Roberta Ruela