O Centro de Química Medicinal da Unicamp (CQMED) e a biotech Hilab, seguindo o modelo Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial), aperfeiçoaram um protocolo de desenvolvimento de enzimas e seu escalonamento para serem usadas em testes diagnósticos moleculares para SARS-CoV-2.

A nova plataforma gera enzimas que atendem aos rígidos controles de qualidade e que se mantêm ativas por pelo menos 60 dias, mesmo quando conservadas em temperatura ambiente (aproximadamente 25°C). Esta característica é particularmente importante para um país nas dimensões do Brasil, pois, além de impulsionar a autonomia nacional, favorece a distribuição dos testes para os locais mais remotos, onde a refrigeração pode ser um fator limitante para a conservação do insumo. O estudo foi publicado no último dia 13 na revista Experimental Biology and Medicine.

As enzimas produzidas serão utilizadas nos testes moleculares desenvolvidos pela Hilab e operados em aparelhos point-of-care também produzidos pela empresa Hilab. O Hilab Molecular é um dispositivo portátil que realiza exames para detecção de material genético, de forma rápida e remota. O profissional de saúde coloca uma pequena quantidade de amostra do material coletado nos cartuchos de leitura que contêm a mistura de reagentes, e o aparelho lê o resultado da reação em tempo real. Uma vez conectado na internet, o dispositivo envia as informações para análise especializada ao laboratório clínico central da Hilab, onde um especialista as analisa e envia o laudo para o celular do solicitante. O resultado pode ser recebido pelo paciente em até uma hora.

Controle de qualidade e estabilidade da enzima

O grande diferencial do novo protocolo foi a otimização do planejamento e do processo de purificação das enzimas, para aumentar a eficiência da produção, diminuindo a manipulação humana e, logo, uma possível contaminação. “Desenvolvemos uma plataforma de controle de qualidade que envolve um check list de ensaios extras. Este rigoroso controle é o mesmo feito em produtos comerciais e importados”, explica Lucas de Souza, autor do estudo e pesquisador de pós-doutorado do CQMED.

Outra característica positiva foi a estabilidade duradoura das enzimas, mesmo em condições adversas. “Em condições apropriadas de estocagem, ou seja, -20°C, as enzimas têm estabilidade de pelo menos um ano. E, em temperaturas de 4°C e 25°C, elas permanecem funcionais por pelo menos 60 dias. Isso é um fator crucial para uso prático do aparelho, especialmente em regiões remotas com acesso limitado à refrigeração”, constata de Souza.

As enzimas foram desenvolvidas para uso no teste de detecção de material genético de vírus de RNA na modalidade RT-LAMP, que é baseado no uso de enzimas que permitem amplificação do material em condições isotérmicas. A técnica passou a ser mais explorada durante a pandemia de covid-19. “O RT-LAMP não precisa de equipamentos de grande custo, ao contrário do RT-PCR, que requer equipamento caro e de difícil manuseio”, explica Ítalo Esposti, autor do estudo e doutorando do CQMED. Outra vantagem do RT-LAMP é que as amostras não precisam receber tratamento inicial como no RT-PCR. “No RT-LAMP, podemos usar ‘amostras cruas’, como swab nasal, saliva, então eliminamos a etapa de extração de RNA das amostras, necessária para o RT-PCR, a qual pode ser complexa e morosa”, complementa Esposti.

O dispositivo da Hilab foi desenvolvido para a técnica de LAMP (Loop-Mediated Isothermal Amplification). O aparelho é um pequeno termociclador, com aproximadamente 200g, capaz de alternar as temperaturas de forma rápida, além de possuir um sensor de RGB. “À medida que a reação vai mudando de cor, isso significa que a amostra é positiva para a presença do vírus. O aparelho capta as imagens ao longo do tempo para gerar um gráfico que é interpretado por inteligência artificial. Um especialista da Hilab faz uma dupla checagem para garantir que o resultado está correto”, explica Bruna Raddatz, autora do estudo e coordenadora do time de pesquisa e desenvolvimento em biologia molecular da Hilab.

Autonomia nacional e soluções inovadoras de saúde pública

As enzimas utilizadas para a detecção de microrganismos em testes diagnósticos são normalmente importadas dos Estados Unidos ou da Europa e requerem um transporte cuidadoso, dada a sensibilidade do reagente. “Estas enzimas importadas demoram a chegar e podem representar aproximadamente 75% do valor final do teste. Então, a meta da parceria com o CQMED foi desenvolver enzimas nacionalmente como estratégia de autonomia, baixa nos custos e  acesso da população a testes moleculares modernos”, explica Raddatz.

As novas enzimas já estão sendo utilizadas pelo time de biologia molecular da Hilab. “Atualmente, estamos adaptando o mesmo sistema para detecção de uma variedade de vírus e bactérias para uso em áreas remotas, hospitais e bancos de sangue”, explica Katlin Massirer,  autora do estudo e coordenadora do CQMED, uma unidade credenciada da Embrapii.

“À medida que o mundo continua a enfrentar ameaças de doenças infecciosas, o desenvolvimento de soluções modernas, confiáveis e versáteis  desempenha um papel vital na proteção da saúde pública e na ampliação das capacidades de diagnóstico mais acessíveis e abrangentes”, comenta Bernardo Almeida, diretor médico da Hilab e autor do estudo. Os próximos exames que serão incorporados à plataforma serão para identificação do HPV, arboviroses e vírus respiratórios.

“Esses avanços transformadores da saúde pública no país estão sendo altamente impulsionados pela interação entre universidade e empresa com o apoio da associação de inovação industrial Embrapii”, finaliza Massirer.

Para saber mais:

Lucas Rodrigo de Souza, Italo Esposti Poly da Silva, Gabriele Celis-Silva, Bruna Winkert Raddatz, Louise Matiê Imamura, Edson Yu Sin Kim, Gabriel Vieira Valderrama, Halanna de Paula Riedi,Sergio Renato Rogal Jr, Bernardo Montesanti Machado de Almeida, Marcus Vinícius Mazega Figueredo, Mario Henrique Bengtson e Katlin Brauer Massirer.

Acesse o artigo: Improved protocol for Bst polymerase and reverse transcriptase production and application to a point-of-care diagnostics system. Experimental Biology and Medicine. 2023;0(0). doi:10.1177/15353702231215815

Sobre o CQMED

O Centro de Química Medicinal – CQMED, localizado no Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG), é vinculado à Coordenação de Centros e Núcleos (COCEN) da Unicamp, em Campinas (SP). O centro é especializado nas fases iniciais de desenvolvimento de novas drogas e diagnósticos moleculares. Para tanto, desenvolveu uma plataforma de descoberta de moléculas inibidoras de alvos específicos relacionados a doenças humanas. O CQMED foi fundado em 2015 e atualmente é credenciado como uma Unidade Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação) e integra o Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia – INCT do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

Sobre a Hilab

A Hilab é uma biotech 100% brasileira, fundada em Curitiba e com sede também em Manaus, que desenvolve dispositivos e tecnologias nacionalmente para análises clínicas. Sua abordagem inovadora permite a realização de exames utilizando apenas algumas gotas de sangue.

A Hilab adota um modelo disruptivo que elimina a necessidade de transporte das amostras biológicas. Essa abordagem inovadora possibilita a entrega de resultados em questão de minutos, proporcionando uma experiência mais ágil e eficiente para os pacientes. Utiliza uma plataforma tecnológica avançada que conta com uma Inteligência Artificial que auxilia profissionais de saúde nas análises clínicas, gerando resultados mais precisos e seguros. Essa combinação permite a realização de exames em qualquer local do mundo, criando um laboratório descentralizado.

Além disso, revoluciona a experiência do paciente ao oferecer coletas menos desconfortáveis e na ponta dos dedos. Com a utilização de dispositivos inovadores, a Hilab simplifica o processo de entrega de resultados, que acontece em poucos minutos.

Sobre a EMBRAPII

A Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial foi criada em 2013 como uma organização social que tem autonomia em gerenciar fundos do Ministério de Ciência Tecnologia e Inovação e Ministério da Educação, com o objetivo de estimular a inovação na indústria brasileira, promovendo a interação entre instituições de pesquisa tecnológica e empresas do setor industrial.

O seu modelo de atuação prevê o financiamento de até um terço do custo total de cada projeto aprovado, com recursos não reembolsáveis (ou seja, a indústria não precisa devolver o montante aportado), e o restante é dividido entre a indústria e as unidades EMBRAPII.

 

Foto: Lucas de Souza (CQMED)