Doutorando viajou aos Estados Unidos para receber treinamento em microscopia crio-eletrônica, técnica que permite determinar estruturas tridimensionais de biomoléculas

O doutorando do Programa de Genética e Biologia Molecular e membro do Centro de Química Medicinal (CQMED-Unicamp), Ítalo Esposti, é o primeiro aluno brasileiro a participar de um treinamento em Cryo-EM (microscopia crio-eletrônica) no Centro de Biologia Estrutural de Nova York (NYBSC). Esposti teve sua proposta selecionada para realizar o treinamento da NYSBC.  O CQMED auxiliou com os custos da viagem e estadia. Ele também esteve presente no encontro da Sociedade de Biofísica na Filadélfia, onde recebeu o prêmio Travel Awards e foi convidado a apresentar seu trabalho na sessão Just-B, que destaca a diversidade humana na ciência. Ítalo chegou aos EUA em janeiro e permanecerá até maio em treinamento. 

Ítalo está terminando sua pesquisa de  doutorado, cujo tema é a proteína ASCC3 e o complexo do qual ela faz parte que atuam no processo de produção de proteínas nas células. Quando essa proteína e o complexo não funcionam corretamente pode ocasionar doenças como Alzheimer, por exemplo. “O mal funcionamento dessa proteína e do complexo acarreta na formação de agregados amilóides, iniciando um processo neurodegenerativo”, explica Esposti. Com o treinamento, Ítalo busca avançar na elucidação da estrutura molecular da proteína ASCC3 e do complexo que ela participa, contribuindo para a compreensão desses processos biológicos e o desenvolvimento futuro de fármacos direcionados a esses alvos, além de adquirir conhecimentos importantes para aplicar a técnica com outras proteínas.

O estudante também pretende encontrar moléculas capazes de interagir com a proteína ASCC3 e modular sua atividade, o que traria avanços significativos para pesquisas que buscam por novos medicamentos que tenham essa proteína como alvo. Ao retornar ao Brasil, Ítalo pretende dar continuidade a suas investigações em parceria com o Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano), localizado no Centro Nacional de pesquisas em Energia e Materiais (CNPEM) em Campinas, que possui todos os equipamentos necessários para as análises de microscopia crio-eletrônica.

 

O treinamento

Realizado no Centro de Biologia Estrutural de Nova York, o treinamento em microscopia crio-eletrônica é um curso intensivo de quase 4 meses onde são abordados temas que vão desde a preparação das amostras biológicas, a operação do equipamento e a aquisição e processamento dos dados. Anualmente são selecionadas 4 propostas para receber o treinamento e Ítalo é o primeiro brasileiro desde 2018, quando o curso começou a ser oferecido. O curso tem como objetivo treinar cientistas para que tenham independência no uso da técnica em seus projetos de pesquisas e trabalhos futuros.

A capacitação técnica de pesquisadores para trabalhar com microscopia crio-eletrônica é fundamental para aumentar o quadro de cientistas da Unicamp com conhecimento sobre a técnica,  “O Brasil tem infraestrutura adequada e um grande potencial para grandes descobertas com o uso dessa técnica, hoje um dos grandes gargalos para sua expansão é a necessidade de profissionais com autonomia e olhar crítico no preparo de amostras, coleta, e processamento dos dados.” afirma Leonardo Talachia, professor do Instituto de Biologia da Unicamp com experiência em Cryo-EM.

Segundo Mário Bengtson, do Instituto de Biologia,  pesquisador principal do CQMED e orientador da pesquisa sobre a proteína ASCC3, esse treinamento expande o número de especialistas na Unicamp com conhecimentos sobre a técnica. São poucos com a expertise sobre os detalhes da técnica de Cryo-EM, desde a preparação das amostras até a análise dos resultados. Com o treinamento Ítalo pode usar esses conhecimentos tanto em sua pesquisa como para auxiliar outros pesquisadores que venham a utilizar essa técnica. A experiência de Esposti é também mais um diferencial para o Centro de Química Medicinal da Unicamp, habituado a trabalhos com diferentes proteínas envolvidas em doenças humanas, “Já resolvemos muitas estruturas de proteínas usando a técnica de cristalização, mas com a microscopia crio-eletrônica é possível analisar a proteína em diferentes estados de conformação e isso nos traz informações importantes sobre os mecanismos de ação da proteína estudada”, afirma Bengtson.

 

Prêmio Nobel

A poderosa técnica de microscopia crio-eletrônica, que rendeu um Prêmio Nobel em Química no ano de 2017 para Jacques Dubochet, Joachim Frank e Richard Henderson por desenvolvê-lá, serve para determinar em alta resolução as estruturas químicas de biomoléculas em solução.

“A Crio-microscopia eletrônica revolucionou o campo da biologia estrutural na última década, permitindo a visualização de complexos biológicos que eram muito grandes ou muito dinâmicos para serem observados por outras técnicas.” afirma Leonardo Talachia.

O professor Talachia explica que a técnica consiste em três etapas. Primeiro é preciso vitrificar as proteínas em solução, um processo de congelamento tão rápido que as proteínas mantém seu estado nativo em um gelo completamente translúcido. Na segunda etapa a amostra é colocada em microscópios eletrônicos extremamente potentes onde feixes de elétrons interagem com a amostra formando uma imagem no detector, milhares dessas imagens são coletadas. Por fim, na terceira etapa, as imagens passam por tratamentos estatísticos e computacionais que permitem reconstruir o volume tridimensional da proteína a partir das imagens bidimensionais. Com a interpretação desses dados é possível compreender o funcionamento da proteína e identificar possíveis sítios para o desenvolvimento de novos fármacos.

 

Congresso na Filadélfia

Durante sua viagem aos Estados Unidos, Ítalo Esposti participou do congresso da Sociedade de Biofísica que aconteceu na Filadélfia e foi agraciado com o prêmio Travel Awards. A pesquisa de Ítalo também foi selecionada para ser apresentada  na sessão Just-B do evento, uma reunião especial do congresso onde pesquisadores Negros, Latinos, Indígenas, LGBTQI+ e outras categorias pouco representadas na comunidade científica apresentam seus avanços nas pesquisas. O intuito da sessão Just-B é valorizar a diversidade e a inclusão na ciência.  

Ítalo Esposti no Congresso da Sociedade de Biofísica na Filadélfia onde apresentou sua pesquisa e recebeu o prêmio Travel Awards.

Apoio para ciência brasileira 

Mesmo com o treinamento sendo ofertado gratuitamente, Ítalo diz que seria muito difícil arcar com as despesas de viagem, estadia e alimentação nos Estados Unidos. A viagem só foi possível de acontecer por causa do apoio financeiro para cobrir as despesas de viagem e estadia do pesquisador nos Estados Unidos. 

Katlin Massirer, coordenadora geral do CQMED, explica que a verba utilizada para custear a viagem para o treinamento foi disponibilizada pelo Programa de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT), do Ministério da Ciência e Tecnologia, que tem como característica a cooperação entre redes nacionais e internacionais de pesquisas de alto impacto e a formação de recursos humanos.