Por Daniel Rangel

Encontrar moléculas com potencial para tratar doenças humanas é um grande desafio para os pesquisadores da área da saúde. Em um artigo publicado recentemente na revista científica Bioorganic & Medicinal Chemistry, pesquisadores do Centro de Química Medicinal (CQMED) da Unicamp apresentaram uma série de técnicas que envolvem ensaios enzimáticos, ensaios em células vivas e modelagem computacional com o objetivo de agilizar a descoberta de novas moléculas. O estudo usou como modelo uma proteína relacionada ao crescimento de tumores e após uma investigação com mais de 350 moléculas diferentes, os pesquisadores chegaram a uma molécula candidata para inibir a proteína.

Segundo Micael Cunha, um dos autores do trabalho e pós-doutorando do CQMED, a grande novidade da publicação foi apresentar à comunidade científica um pacote de ferramentas como ensaios, reagentes e novas moléculas inibitórias para estudar a proteína, “Nós apresentamos uma série de técnicas para descoberta de novos medicamentos que estão prontas para serem usadas no estudo da proteína MKK3, também publicamos uma nova classe de inibidores específicos para essa proteína alvo”, comenta Micael.

Estudos anteriores já apontavam a proteína MKK3 como um fator relevante para a proliferação e permanência de células tumorais. Inibindo a ação dessa proteína é possível parar o crescimento do câncer, combinando essa abordagem com outras terapias é possível aumentar significativamente a eficiência do tratamento anti-tumoral. Os pesquisadores do CQMED fizeram uma clonagem, técnica que consiste em copiar o código genético de uma proteína para ser sintetizada em outro organismo de fácil manipulação como uma bactéria, por exemplo. isso permitiu produzir a proteína em laboratório e assim testar a ação inibitória de variados compostos.

As moléculas mais promissoras foram otimizadas, alterando sua estrutura química, para uma maior eficiência inibitória e especificidade com a proteína MKK3. “Acreditamos que estes ensaios abrirão caminho para uma nova geração de inibidores de MKK3 com potência e seletividade otimizadas, permitindo aos pesquisadores descobrir as funções específicas dessa proteína na biologia celular.”, escrevem os autores do trabalho realizado na Unicamp.

Após uma investigação com centenas de moléculas diferentes, os pesquisadores do CQMED chegaram a resultados empolgantes para pesquisas voltadas ao câncer. A molécula de nome complicado, pyrazol[3,4-d]pirimidina, se mostrou capaz de reconhecer e inibir a atividade da proteína MKK3. Embora essa nova molécula descoberta ainda não apresente todas as características necessárias para servir como um medicamento, ela apresenta potencial como protótipo para pesquisas dedicadas à investigação dos mecanismos celulares de cânceres, sendo uma ferramenta importante para o avanço do conhecimento na área.

Há um longo percurso desde a identificação de uma molécula promissora até sua aprovação para uso clínico em pacientes, em torno de 15 anos geralmente. Por esse motivo, qualquer estratégia capaz de aperfeiçoar a investigação e reduzir esse tempo é importante para acelerar as pesquisas na área. “A abordagem multidisciplinar ajuda muito a encontrar novos caminhos e análises. Neste sentido, temos uma vantagem em reunir no mesmo laboratório pesquisadores especialistas para a realização desse trabalho situado na interface entre a química e a biologia”, aponta Rafael Couñago, pesquisador principal do CQMED e da Universidade da Carolina do Norte (EUA).

“Agora que temos uma sequência de experimentos bem estruturada para estudar essa proteína, pretendemos testar uma quantidade maior de compostos para selecionar aqueles com características desejáveis, realizar modificações químicas e seguir em novas rodadas de testes para avaliar potência, especificidade, toxicidade e capacidade da molécula de interagir especificamente com a MKK3” comenta Micael Cunha sobre as próximas etapas do trabalho.

Para saber mais:

Jéssica E. Takarada, Micael R. Cunha,  Vitor M. Almeida, Stanley N. S. Vasconcelos, André S. Santiago, Paulo H. Godoi, Anita Salmazo, Priscila Z. Ramos, Angela M. Fala, Lucas R. de Souza, Italo E. P. da Silva, Mario H. Bengtson, Katlin B. Massirer, Rafael M. Couñago.

Acesse o artigo: “Discovery of pyrazolo[3,4-d]pyrimidines as novel mitogen-activated protein kinase kinase 3 (MKK3) inhibitors. Bioorganic & Medicinal Chemistry, v. 98, 2024. DOI: 10.1016/j.bmc.2023.117561

Sobre o CQMED

O Centro de Química Medicinal – CQMED, localizado no Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG), é vinculado à Coordenação de Centros e Núcleos (COCEN) da Unicamp, em Campinas (SP). O centro é especializado nas fases iniciais de desenvolvimento de novas drogas e diagnósticos moleculares. Para tanto, desenvolveu uma plataforma de descoberta de moléculas inibidoras de alvos específicos relacionados a doenças humanas. O CQMED foi fundado em 2015 e atualmente é credenciado como uma Unidade Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação) e integra o Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia – INCT do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).